segunda-feira, 13 de outubro de 2008

CASA VELHA (2)


Na última postagem sobre "casa Velha", no
fim texto, deixei entender que ia mostrar
uma lista de peças de teatro exibidas pela
Associação cultural da Casa Velha, dizendo
vide imagem acima. Mas não havia nenhuma
imagem com a tal lista. O que o faço desta
vez, com um pedido de desculpa.

LÍNGUAS NACIONAIS E COMUNICAÇÃO (2)



Dou seguimento a apresentação da comunicação que partilhei no seminário de reflexão sobre a Rádio e Televisão realizada na Cidade da Beira no ano 2000. Chamo a atenção para o facto de alguns dados citados estarem ultrapassados ( indiquei com * e ** os mais evidentes).

A questão imediata que se colocou à Rádio Moçambique é: transmitir sim em Línguas Nacionais,mas em quais. Os Estatutos da Rádio Moçambique dão a resposta: nas línguas moçambicanas mais faladas em cada província. Aí o programador ( e o decisor) de rádio pergunta: quantas línguas faladas devem ser consideradas as mais faladas( em cada província): quatro, três ou apenas duas? A Rádio Moçambique abraçou diferentes critérios, partindo da análise caso a caso. è verdade que Rádio Moçambique um único entendimento sobre esta matéria, mas o resultado denuncia o manuseamento de muitas visões. Na Zambézia, por exemplo, transmite em duas línguas nacionais; em Inhambane em 3 ( em certo momento, introduziu uma quarta- o CiNdau); em Cabo Delgado, 4...

Deste cenário multilingue emerge um outro problema. Quanto tempo de antena deve ser atribuído à qualquer uma das línguas nacionais em questão? aqui a Rádio Moçambique optou, no geral e no espírito, por estabelecer uma relação proporcional entre tempo de antena e número de falantes. Porém, o resultado é muito complicado e de certa forma contraditório. Por exemplo, o Makhuwa, em Niassa tem de emissão diária 1 hora e é falado por 48 % da população. O Cinyanja, com 8 %, tem 4 horas diárias *. Temos ainda caso da língua sena que é falada por 8 % da População na Zambézia, 12 em Tete, mas não é transmitido naquelas províncias. O Kimwani, porém, com apenas 6 % de falantes em Cabo Delgado, tem duas horas de emissão. O Português, apesar de ter nitidamente poucos falantes, em todo o território nacional, ocupa nos emissores provinciais cerca de 45 % do tempo de transmissão **. Há muitas razões que explicam este estado. Mas avulta o princípio de ser língua de unidade nacional; o de ser língua de ensino; língua, portanto, oficial. E , por fim, é indiscutível que o português é a língua cuja distribuição inter-regional supera qualquer outra falada em Moçambique.

As diferentes maneiras de falar uma mesma língua também proporcionam alguns constrangimentos. Dentro do ndau,por exemplo, falado na província de Sofala, há inegáveis diferenças.Por exemplo, o Cindau falado na cidade da Beira e o de Machanga, mais a sul, não é igual. Alguns críticos podem dizer que este problema não atrapalha a comunicação; que as pessoas acabam entendendo-se. É verdade, sim senhor. Mas cada um fala e ouve com mais agrado a variante que os pais e avós lhe ensinaram. E mais. Existe uma tendência para rejeitar ou estranhar outras formas de falar a mesma língua. Contudo,a própria comunidade de falantes da mesma língua acaba elegendo uma das variantes como a de referência ( ou franca, ou de maior estatuto) que é aceite, falada e compreendida por todos. Tem sido esta variante que a Rádio Moçambique selecciona para as suas emissões. Na falta desta aceitação ( compromisso) tácita a este nível, são convocados outros elementos sócio-linguísticos, tais como políticos,económicos, históricos,sociológicos,localização geográfica, etc. (continua)


domingo, 12 de outubro de 2008

LÍNGUAS NACIONAIS E A COMUNICAÇÃO

No ano 2000 fui convidado a apresentar umas ideias num seminário de reflexão sobre a rádio e televisão. Sob a perspectiva da "experiência da utilização das línguas nacionais na Rádio Moçambique" elaborei e apresentei um texto com o título línguas nacionais e a comunicação. Aproveito a ocasião para agradecer, pela confiança, aos amigos Manuel Veterano e Julieta Langa, de cujas mãos recebi o convite.


Ora, como o próprio título já informa, devíamos falar das Línguas Nacionais e da Comunicação. Devíamos mas não o faremos. Não o faremos porque,embora desconfiemos saber o que é comunicação, falar dela, em toda a sua amplitude e complexidade, com a paixão necessária, exige outro tipo de capacidade e conhecimentos que, sinceramente, não possuímos. Por isso, e se os presentes a mesa não se importarem, teremos por objecto a prática e experiência da utilização das línguas moçambicanas na Rádio Moçambique.


Ao falarmos deste tema, imediatamente, algumas perguntas se impõem: Que importância têm as línguas nacionais no funcionamento de uma empresa do sector público da comunicação como é a Rádio Moçambique? Que interesse tem falar deste assunto já por demais aflorado e sobre o qual parece que todos sabemos alguma coisa e está tudo dito? E, por último, que direito nos assiste de vos ocupar com uma reflexão que, como verão, poucas novidades apresenta?


A resposta à primeira questão encontra-mo-la na Constituição da República e nos Estatutos da Rádio Moçambique. Se a Constituição da República, no seu artigo quinto, peca por ser demasiada oca na sua formulação, os Estatutos da Rádio

Moçambique, apesar de serem mais explícitos não avançam muita coisa aí além. O artigo quarto, por exemplo, indica que um dos fins genéricos da radiodifusão da Rádio Moçambique é e cito " promover e divulgar a língua portuguesa e as línguas moçambicanas", fim da citação. É no artigo sétimo, na sua alínea b, que se avança um pouco mais. Diz-se aí que a Rádio Moçambique emitirá " pelo menos uma emissão de âmbito provincial em português e nas línguas moçambicanas mais faladas em cada uma das províncias". Se analisarmos com profundidade as duas citações, pelas suas implicações, veremos que elas desencadeiam quase a mesma significação; respeitam a mesma estratégia de alguma indefinição, de ausência de compromissos; de muita superficialidade no trato. Há, portanto, necessidade de uma formulação menos vaga e mais clara nos objectivos, estratégias e nos procedimentos. Os senhores aqui presentes sabem certamente do estamos aqui a falar. E foi procurando mitigar esta lacuna que nas últimas duas décadas a Rádio Moçambique desdobrou-se em inúmeros seminários e reflexões sobre as línguas Moçambicanas ( continua).



VIVA MAMBAS


Com a vitória conseguida ontem em Gaberone ( 0-1), os mambas ( nossa selecção nacional de futebol) ficam mais próximos de se qualificarem para o CAN e mundial de 2010. Tudo depende agora de jogo de aritiméticas.


Não estive na cidade de Maputo para testemunhar como o jogo foi acompanhado e festejada a vitória. Mas dizem-me que em alguns bairros periféricos houve alguma animação, com direito a buzinadelas e tudo o mais. Esta manhã, pude constatar que o número de bandeiras içadas (nos chapas,no xiquelene e na rua da Beira, próximo do aeroporto) continuava alto. E muitos jovens vestiam camisetes vermelhas- cor das camisetes do equipamento oficial dos mambas- ( com ou sem símbolos nacionais).


Sobre esta forma de os da periferia darem visibilidade ao apoio aos mambas ( património emocional nacional) tenho as seguintes perguntas:


a) partindo do princípio de que o residentes na cidade de cimento também ficaram felizes com o resultado do jogo, como é que o exteriorizaram?

b)caso tenham sido mais "modestos" ou " discretos" o que estará na base desse comportamento menos "visível"?

c) caso os residentes da cidade não o tenham feito desta vez, porque razão, quando equipas portuguesas, por exemplo, incluindo a própria selecção, jogam, registam-se na cidade passeatas, visionamentos colectivos em locais públicos ( restautantes, etc)?

d) que relação podemos estabelecer entre a forma como a periferia constroi e exterioriza o seu sentimento pelos bens emocionais nacionais ( vitória da selecção nacional) e o exercício da cidadania ( o 5 de Fevereiro, por exemplo)?

e) se se concluir que a periferia tende a denuciar e afirmar a sua exclusão através de uma maior vigilânicia e maior capacidade de mobilização e exteriorização de sentimentos de cidadania, o posicionamento historicamente verificável de afirmação ( através da flagelação do PODER) da cidadania da Beira e Beirenses é causado por um sentimento similar de periferia?

CASA VELHA (2)


Em 1986, como terei dito na apresentação da secção "danjaquina", entrei pela primeira vez na "casa Velha". A " casa velha", como se sabe, é a mais emblemática associação cultural que existe em Maputo. O nome vem do edifício que é sede e é onde funciona a dita associação cultural. Porque é um edifício inegavelmente velho ( hoje, mais de 20 depois, a casa continua cada vez mais inegável e insustentável e perigosamente velha) os fundadores da associação decidiram, nada melhor e mais original, chamar ao sítio " Casa Velha". Na altura estavam em cartaz duas peças ( o que diz sim e o que diz não- Bertolt Brecht; e quem me dera ser onda-adaptado de um romance homónimo de Manuel Rui).

Como já vinha sendo hábito, passei uma parte das férias escolares desse ano na Beira,onde vivia a minha mãe e mais dois irmãos. A propósito, recuperei uma guia de férias que nos era dada na escola. A mesma servia para apresentarmos no local onde fossemos passar as férias, garantindo que tínhamos feito as "actividades de férias" nalguma unidade produtiva...

Assim, não me recordo se foi ainda em 1986 ou em princípios do ano seguinte, 1987, o Machado da Graça ( salvo erro da memória) trouxe-nos um texto de um outro autor africano e começamos a ensaiar. Era a primeira vez que participava numa peça " à serio".

Na " Casa Velha" não havia esquisitices. Todo o gajo que aparecesse entrava para o grupo de trabalho. No início fazíamos "exercícios de preparação de actor" que era mistura de alguma preparação física ligeira e exercício propriamente para actores: mímica, projecção de voz, improvisação, etc. Desta maneira, num dia podíamos estar na sala uns trinta jovens(O que fazia estalar consideravelmente o chão de madeira da sala de ensaio) para no dia seguinte sermos somente uns 7. Nada parava nem mudava.

Depois do ensaio, entregava-mo-nos às mais diversas ocupações. A mais importante era estudo das matérias escolares. Outros preferiam colar-se à televisão. Havia também um laboratório de fotografia, uma pequena mas bastante famosa biblioteca, mesa de ping pong. De resto, a casa velha, era uma das mais equipadas instituições culturais e recreativas da cidade. No nosso armazém havia de tudo e nossa criatividade explorava aquilo e a paciência do Machado da Graça até ao limite. Nisso contávamos com a cumplicidade sempre bem disposta do Luís Soeiro, que embora fosse da " idade " do Machado, muitas vezes, e de forma disfarçada, divertia-se mais connosco, os jovens.

Quando começamos a ver o texto e a construir os personagens, comecei por fazer parte " da escolta" de um " alto funcionário". Na história, claro. o tipo era tão importante que tinha escolta e andava numa espécie de " machila". Era o "mbia" interpretado por Luís Soeiro.

Foi a minha entrada para o mundo do teatro. E três pretendentes um marido foi uma ( de entre várias, vide a imagem acima) das peças que iniciou uma revolução em Maputo e Moçambique.


13º salário- Gratificação natalina

Na postagem de 9 de Outubro introduzi o tema 13º salário. Referi na ocasião, basicamente, que o mesmo no Brasil é pago em parcelas mensais. No fim deixei duas perguntas :
a) no nosso país o 13º salário é suficientemente "regulamentado"? e b) o que acham da ideia de se pagar em Moçambique o 13º por antecipação ou parcelamento?
Ouvi a opinião de dois funcionários seniores de uma grande empresa ( Director de Recursos Humanos e chefe do Gabinete do PCA, um economista e o outro um jurista). Respondendo à segunda questão, basicamente, os dois pensam que seria "interessante" parcelar ou antecipar o pagamento do 13º. Perguntei se isso interfereria com a especulação que se verifica na altura em que a maior parte das empresas pagam o 13º ( Dezembro-Janeiro) que é também quando os preços mais crescem. A resposta de ambos foi igualmente " sim".
Para melhor discutirmos o assunto, trago mais alguns dados.
o 13º salário também é conhecido como gratificação natalina. No Brasil, o seu pagamento, a partir de 1962 é obrigatório e é extensivo a todos os assalariados ( empregados domésticos, aposentados, etc) a partir de 1988. Para o seu pagamento é utilizada a seguinte fórmula: salário : 12 x número de meses trabalhados. Há algumas ressalvas. Por exemplo, não é pago o mês em que o trabalhador tiver tido mais de 15 faltas justificadas. E mais, rendimentos extra, como sejam os casos de gorjetas,, comissões, hora extra, também são contados para o cálculo.
* obtive estas informações na Internet através do google.

sábado, 11 de outubro de 2008

xiquelenes-mambas-cidadania


Os Mambas ( selecção nacional de futebol de Moçambique) jogam esta tarde contra a selecção do Botswana. Uma partida que pode abrir as portas à nossa selecção aos próximos mundial e CAN, em 2010.

E como sempre que a nossa selecção joga, a periferia de Maputo ferve. Passei pelo xiquelene ( um dos maiores mercados informais de Maputo e quiçá de Moçambique) esta manhã e vi bandeiras de Moçambique hasteadas um pouco por todo lado ( algumas bastante antigas). Alguns "chapas" também tinham "hasteadas" bandeiras criando um ar de verdadeira festa.






quinta-feira, 9 de outubro de 2008

13º

O discurso que envolve o 13º salário em Moçambique indica-nos que se trata de um salário que pode ser pago se a situação económica e financeira da empresa ou patrão assim o permitir. A liberdade estende-se também à data de pagamento. Há quem paga em Dezembro. E outros há que o recebem em Janeiro e até em Fevereiro. Acontece que também no final do ano os preços são aumentados, minimizando o impacto e a utilizade de tão especial salário.
No Brasil ( e creio que em muitos outros países) o 13º salário está regulamentado. Por exemplo, está estipulado que o mesmo deve ser pago em duas parcelas. A Primeira deve ser paga de Fevereiro até ao último dia de Novembro. A segunda e última deve ser paga em Dezembro.

Não sei quais os fundamentos de tal prática. Nem conheço o mercado brasileiro. Não sei, portanto, como as coisas por lá funcionam e que relação pode haver entre controlo da inflação( especulação) no final do ano e antecipação do pagamento de salário.


Por isso gostaria de colocar as guintes perguntas:
1. O nosso 13º está suficientemente "regulamentado"?
2. Devemos ou não introduzir o pagamento antecipado e/ou não parcelado do mesmo?

FAXINA

No dia de hoje operei algumas mudanças ao visual do blogue. A operação designada faxina apenas iniciou. Conto prosseguir o esforço melhorando o que puder à medida que vou dominando melhor algumas das ferramentas e a técnica de edição.

Conto sempre com a inestimável colaboração e ajuda desinteressada da amiga e colega Zenaida Machado.

quarta-feira, 8 de outubro de 2008

A RÁDIO DO SERVIÇO PÚBLICO E A CIDADANIA

(segunda e última parte)

O serviço público de Radiodifusão – O caso da Rádio Moçambique


A prestação do serviço público, na área de conteúdos, é um processo contínuo de diálogo entre diferentes centros nucleares. O primeiro deste domínios é o triângulo Poder constituinte-financiamento-spr. No caso de Moçambique, o principal financiador e o poder que nomeia e gere o spr são uma única entidade, o governo do dia, e sendo ele um actor político bastante interessado e monocolor, acaba dando com uma mão, não se coibindo a outra de cobrar. Ainda que sob forma discreta e táctica. A expressão a “Nossa Rádio”, utilizada muitas vezes como bandeira da universalidade do spr ganha aqui matizes próprias, pois pode significar a “nossa” – propriedade restrita, ou “nossa” pertença colectiva da comunidade. E essa ambiguidade é exaurida ao extremo.

O Segundo e último domínio da gestão dos conteúdos do spr tem num dos extremos o público/Mercado. Os dois outros intervenientes são a alta gestão do spr ( CA ou direcção geral) e os produtores/jornalistas dentro das suas estruturas executivas. As temperaturas dentro deste caldeirão tendem a ser escaldantes.

Claramente aqui é visível que o papel da alta gestão do spr é o maior determinante na equação. Cabe-lhe definir e formatar a melhor maneira de organizar a empresa, através do diálogo com o poder de Estado e político e, no outro extremo, entender-se com o corpo da produção e jornalismo, que, como se sabe, possui códigos e regras muito próprias e muitas delas externas ao poder de gestão.

Sem que Moçambique seja exclusivo nisto e, infelizmente, muitas vezes, temos uma alta gestão do spr incapaz de dialogar, confortavelmente acomodada no poder, ou alternativamente, comportando-se como búfalo numa casa de loiça, arremessando-se doentiamente contra todos e tudo. Para dentro da empresa, reportam-se casos de gestão que se caracterizam por viverem obcecados pelos próprios bolsos e caprichos e, vezes sem conta, enquanto o barco deriva perigosamente nas águas da incerteza, sem rumo, ou muito mal pilotado.

Em qualquer dos casos, o lugar da produção e dos jornalistas é à boca do forno estando em permanente contacto com o público. O que se faz produzindo programas e gerindo programação, que na sua forma estática leva o nome de grelha.


Como formatar uma grelha de interesse para uma rádio generalista com a dimensão da RM?

Nos meus mais de 10 anos em que estive como director de programas da Rádio Moçambique e mais de 15 como gestor e produtor sénior, o aspecto primário mais perturbador é a dificuldade de exercitar metodologias funcionais para uma construção responsável e tecnicamente recomendável da grelha de programas.

As questões de base são: quem participa na elaboração da grelha e como o faz? Quais as referências a usar para construir a grelha?

De acordo com o cronograma geral ou decisões à propósito emanadas pela “ direcção” é comum o produtor/gestor encarregue de formatar a grelha convoca umas reuniões para “ análise e construção” da grelha para o próximo período, solicitando aos outros produtores ideias e propostas de novos programas. Depois seguem-se infindáveis discussões sobre as equipas , horários e “perfis”. E esta “democracia” tem mais a ver com as características de quem dirige o processo e menos com outras coisas. No caso da RM-EP, cuja emissão principal, generalista, é alimentada pelas áreas de informação e programas, a batatada é dentro daquelas áreas, no momento inicial. Seguindo-se o mesmo filme, mas já num confronto habitual entre as duas áreas, sob a mediação do administrador do pelouro. O que resulta deste exercício é levado à aprovação no Conselho de Administração. Sendo que muitas vezes, a grelha não passa de actualização das anteriores em função da correlação de forças e interesses dentro da estrutura da empresa e de alguma soma de competências individuais de quem tem o poder ou pode influência-lo.

Metodologia
Há, certamente, muitas tradições, experiências e visões sobre qual o melhor caminho para construir uma grelha de programas. O que é comum e universal é que a construção de uma grelha é um processo longo. E é longo porque deve envolver as partes interessadas e mais relevantes para os objectivos do spr. E o ponto de partida da grelha é justamente este: mandato do spr.

O mandato do spr pode ser capturado a partir de: a) visão sobre o desenvolvimento e progresso da comunidade; b) contrato-programa; c) estatuto ou carta magna do spr e d) agenda nacional e internacional. Com base neste ou outros elementos de referência seleccionados, deve-se construir os eixos temáticos e programáticos a seguir durante o período da vigência da grelha.

A pesquisa de audiência, a grelha anterior, o conhecimento dos produtores e jornalistas, são o crivo a utilizar (tendo em conta as caracterizações de programas e programação esgrimidas acima) para manusear os temas e transformá-los em programas , produtos de conteúdo e objectivos. Pois, muitos objectivos não se cumprem através de um programa específico. Mas de uma conjugação deles.

Este processo deve ser desencadeado e executado com um forte envolvimento da alta gestão da empresa. O PCA, o director-geral, os administradores e directores, foram nomeados ou concorreram a cargos de uma empresa cujo core business é produzir uma emissão de rádio. E todos eles devem ter conhecimento e capacidade que lhes habilite a participar no processo com qualidade.

O maior e exclusivo envolvimento dos produtores e jornalistas é na transformação dos planos temático e programático em programas: selecção de formatos e produção. Nesta fase, deve haver um “diálogo” lógico entre a construção da grelha/definição da programação e produção de programas, pois a separação destas realidades não tem sido benéfica nem é prático fazê-lo.

Todo este exercício requere uma estruturação da empresa e da área de conteúdos/produção, particularmente, e uma gestão, sabiamente concebidos e conduzidos. As falhas estruturais, deficiências na gestão, canais de comunicação esvaziados, conflitos pessoais, recalcamento, muito comuns em ambientes de radiodifusão, etc, atrapalham e chegam mesmo a inviabilizar resultados prestimosos.

Como vimos inicialmente, o spr não é o brinquedo de estimação dos seus gestores/quadros de produção e jornalistas. A grelha de programas e a programação não devem ser construídos apenas com base na gana e (in)competências dos profissionais. É necessário abrir espaços e criar mecanismos para que a comunidade se interesse e assuma a sua responsabilidade no assunto. Mesmo que não exista formalmente um conselho de opinião, ou que a legislação não obrigue a um debate parlamentar sobre o spr, este ( os seus gestores) devem justificar a sua condição de servidores e cidadãos conscientes. Este forúm ( mesa redonda organizada pela RTC) é um esforço nesse sentido. E foi por isso que a RM, a partir de princípios do ano 2000 passou a realizar jornadas de radiodifusão e linguística abertas ao público, nas quais a sociedade civil e os especialistas da rádio dialogavam sobre a melhor maneira de cumprir o serviço público.

Voltando à grelha, é importante que haja um espaço aberto aos cidadãos. A RM teve em certo momento uma espécie de “ tempo de antena para sociedade civil”, no qual, organizações da sociedade civil, legalmente constituídas, ocupavam 5 minutos com assuntos do seu próprio interesse.

Outro canal que foi experimentado com sucesso é incentivar a co-produção de programas com rádios comunitárias, garantindo assim que assuntos e vozes das comunidades se façam ouvir no canal nacional. Mas não restam dúvidas que a mais visível janela aberta foi a realização de programas ao vivo nas comunidades e com transmissão directa no canal nacional.


O papel das emissoras provinciais na construção de uma programação
diversificada.

As emissoras provinciais da RM são um prolongamento orgânico. Quer dizer são “extensão” e são o próprio “corpo” simultâneamente. Por essa razão, a programação de uma emissora como a Rádio Moçambique, constituída por 15 canais, 10 das quais provinciais, é algo verdadeiramente colossal pois deve viver com base num fluxo continuo de dois sentidos. É isso exequível? Como a programação central ou nacional encaixa esse manancial?

Começamos por indicar que as dez emissoras provinciais da RM têm cada uma a sua própria programação, retransmitindo umas 5 horas diárias a programação central, numa programação multilingue atípica. Quer dizer, se numa programação provincial há 4 períodos de emissão correspondentes a igual número de línguas, cada uma destas programações é diferente da outra. A diferença é estabelecida pela criatividade dos produtores e jornalistas de cada uma das línguas. Assim, programas que existem numa determinada língua, noutras não existem, acabando, ao fim do dia ,dentro da mesma emissora provincial, cada língua radiodifundindo conteúdos diferentes.

A partir daqui fica claro que a programação central deve estar a ser construída sem ter em conta a produção de cada uma das estações provinciais dada a diversidade interna já ilustrada. A minha experiência diz-me que há muitas dificuldades nesse processo. As programações das emissoras provinciais, embora no geral de qualidade baixa, caracterizam-se por uma grande produção diária. Fica claro que muito pouco dessa grande produção de cada uma das 10 emissoras provinciais é aproveitada na programação central ou nacional. Tanto mais que o próprio canal central ou nacional também se comporta como se de uma “supra-província” se tratasse, gerando uma quantidade apreciável de material próprio.

Acredito pois que o caminho vai-nos nos conduzir a uma reformulação da política das retransmissões. Suspeito ainda que os princípios economicistas vão prevalecer, impondo a minimização de custos e a maximização de proveitos, o que quererá dizer, centralizar a produção, reestruturar a filosofia de retransmissões e aumentar o reaproveitamento da produção, padronizando a produção diária de cada uma das estações provinciais. É o que acontece, por exemplo, no âmbito da produção informativa, onde a diversidade é regrada e menos caótica, tornando rentável a existência das emissoras provinciais.

quinta-feira, 25 de setembro de 2008

A rádio do serviço público e a cidadania

Em Junho do corrente ano(2008), a Rádio de Cabo Verde ( sector Público) em colaboração com a Universidade Jean Piaget realizou uma mesa redonda versando o tema “O papel da rádio na era da Informação – as experiências de Cabo Verde e Moçambique.” No dizer dos organizadores, a iniciativa visava lançar algumas luzes sobre o contributo da rádio no reforço da cidadania e da participação cívica nos Estados de democracia em fase de consolidação. À propósito, preparei uma comunicação que julgo ser útil partilhar com quem se interessa por estas coisas. As ideias reflectem o meu ponto de vista. Muito pessoal.

Aproveito a ocasião para saudar o meu muito amigo Carlos Alberto dos Santos, director da Rádio de Cabo Verde naquela altura, que muito me motivou a escrever este texto e a quem o dedico. Por ser um lutador incansável pela democratização e mordernização dos media.



A Nossa Rádio

O papel da Rádio Pública na democratização do Estado

No convite que me foi formulado são-me apresentadas 3 questões às quais respondo de imediato. Porém, não é possível fazê-lo com alguma qualidade sem antes discutir o tema central da mesa redonda: O Papel da Rádio Pública na democratização do Estado. Assumindo-se aqui o conceito democratização na sua anatomia mais difundida.

Aceita-se que o Serviço Público de Rádiodifusão ( SPR), de entre várias outras tarefas , defenda e promova os vários interesses públicos do seu meio. Primordialmente, Referimo-nos aqui aos direitos e deveres constituicionais. Aos princípios universais do direito de cidadania. De igual modo, a construção de uma consciência cívica responsável e participativa é um comando capital.

A exequibilidade de um spr assim entendido requere a construção prévia, e continuada calibração, de um ambiente que se deve caracterizar por conferir um mandato devida e realisticamente formulado. E oportunamente regulado. Porém, são os factores de gestão e de organização que garantem resultados, daí que o spr deve estar devida e proporcionalmente estruturado para capitalizar todo o quadro filosófico e legal envolvente.

O que até agora temos visto são factores estruturantes e contigenciais. Porém, o cliente, o utente do spr, é o cidadão, é o ouvinte. E ele acede, essencial e tradicionalmente, ao spr através da emissão, do web site, etc. Através de uma disponibilização de conteúdos.

O conteúdo disponibilizado na rádio ou televisão é organizado sob a forma de programas. A programação, programas devidamente organizados e sequenciados, é o cerne do nosso interesse. Ela em si e a maneira como é orquestrada e continuamente alimentada definem o spr.

A programação de um spr deve, na fonte de tudo o resto, estar comprometida com os valores e aspirações da nação. Por isso ela deve ser inclusiva, sem que isso transforme a programação num caledoscópio de minoridades. Do ponto de vista estético , e isto é muito importante, o spr deve apresentar produtos de alta qualidade e competitivos. Deve ter um ar cosmopolita e fashion.

Estamos assim a advogar uma ruptura com os padrões de mediocridade que eram impostos ao spr em nome de primazia da sua função educativa, emancipadora e mobilizadora. Estamos a defender, portanto, que na sua tarefa de palanque e patrocinador de um amplo ( continuo, profundo) e responsável debate da agenda nacional, o spr deve fazê-lo de forma competitiva, assumindo que estamos de facto numa época em que é preciso fazer bons programas e gerir a programação com leveza e sentido de oportunidade. É da conjugação, aliás, de todos estes elementos que nasce a legitimização social do spr. E, por sua vez, esta legitimização encurta e viabiliza a tarefa do spr de construir e reflectir a identidade cultural e histórica das nações e comunidades.

Estas asserções serão válidas apenas na condição de os programas, achados de maneira mais ou menos individualizados, na sua morfologia, forem relevantes. Se os programas, no momento da sua transmissão e partilha pública, forem de encontro às necessidades da comunidade. A relevância mede-se também pelo dialogismo activo ou passivo. O programa deve enquadrar-se e desencadear (n)o debate. Ao mesmo tempo, impõe-se ao programa que seja significante. E como já vimos, tanto do ponto e vista de construção temática, como olhando para os aspectos da plástica, a criatividade é o elemento centripetador. E evitem-se as vulgaridades e obsenidades semânticas que se atribuem a este conceito ( criatividade).

Resumidamente, os programas devem: a) construir valores de cidadania; b) educar e formar o cidadão e c) contribuir para o desenvolvimento e progresso harmonioso da comunidade. E para que o spr seja eficaz é fundamental que o público o tenha sob confiança. A confiança legitima. E ambas são filhas da relevância. Por sua vez, ser relevante significa produzir e gerir conteúdos com seriedade, oportunidade e qualidade. O público tornar-se-á “permeável “ e participativo diante deste quadro. E se isso acontecer, o spr estará a cumprir o seu mandato.

terça-feira, 16 de setembro de 2008

Digitalização de Rádios comunitárias- o caso de Moçambique

A secção REFLESONS( dedicada à Radiodifusão), diferentemente de outras deste blogue, entra a matar com algo fresco. Nada melhor que um tema que ainda é tabu para muitos em Moçambique: a digitalização.E dentro desse viscoso e colossal tema, escolhi o retalho das rádio comunitárias.Devo este texto a amiga Sofia do ICS ( instituto de Comunicação Social de Moçambique- rede de rádios comunitárias do sector estatal)


As rádios comunitárias em Moçambique caracterizam-se por disporem de orçamentos exíguos, reposição de equipamentos irregular e difícil, obsolência do equipamento, assistência técnica não adequada e recursos humanos com formação insuficiente e instável, em virtude do seu carácter voluntário.

Deve-se acrescentar factores de índole mais geral que também afectam negativamente o funcionamento e gestão das rádios comunitárias, como são os casos de ausência de legislação específica para a radiodifusão e a comunitária, em particular; expansão da rede de energia eléctrica e estabilização da sua qualidade e uma extensão a custos controlados das restantes TI.

Digitalização. Comecemos pela pergunta mais frequente: O que é a rádio digital? A Rádio Digital é a próxima geração da radiodifusão. Tecnicamente , é aquela cujo sinal é digitalizado antes de ser transmitido. Para se ter uma ideia do que isso representa , as rádios de Onda Média passariam a ter uma qualidade de FM e as de FM teriam um som com a qualidade de CD.


O que é que vai mudar com a digitalização?
Com a digitalização da rádio os ouvintes passarão a:
· ter um sinal de qualidade constante de padrão muito elevado;
· dispor de muitos serviços e informações extra, nomeadamente: notas sobre as músicas em transmissão; temperaturas; o nome da estação sintonizada ; a programação, etc;
· procurar a estação pela frequência e não pelo nome;
· numa mesma frequência sintonizar várias estações de rádio;
· manipular o som em directo, gravando, parando, recuando, sem interferir com a transmissão em directo

Assim vistas as coisas fica claro que a digitalização vai constituir uma autêntica revolução na radiodifusão, principalmente no que toca à qualidade do sinal que chega ao ouvinte e nos serviços acessórios. As perguntas que surgem aí são: como serão os emissores da era digital? Como o sinal sai da rádio para o emissor? Que tipo de receptores necessitaremos para a rádio digital?

As respostas, por certo, constituirão alguns dos maiores desafios que teremos de saber lidar com eles. Se é definitivo que a natureza do som vai mudar e com ela as possibilidades de o manipular, também é certo que teremos um outro de tipo de emissores e outras formas de transportar o sinal. Por consequência devemos esperar alguma mudança nos sistema de transmissão e recepção do sinal. Estamos a falar de novos suportes e equipamentos. Ou seja de dinheiro. Porém, antes de avançarmos para uma discussão mais pormenorizada sobre as implicações técnicas e tecnológicas da digitalização ( o que a acontecer será num outro momento), vamos fazer um pequeno desvio para discutir o obviamente prévio: como é que se chega a digitalização? Em que condição política?

O mundo vem-se se preparando para a digitalização da radiodifusão há muito tempo. Em comum, nos vários países onde o assunto é matéria de discussão recorrente, o governo, as rádios e suas associações e os empresários, devidamente assessorados pelos cientistas, técnicos da área e académicos, abordaram o assunto procurando criar ou adequar a legislação aos desafios da era digital. A par da legislação, comissões especializadas estudaram e aconselharam os decisores e o mercado sobre as opções de digitalização. Por fim, foram ensaiadas experiências com o objectivo de consolidar as políticas e as opções e afinar um calendário realístico para a digitalização. O que permitiu aos governos tomarem decisões oportunas em tempo útil.

Assim, devemos registar algumas ilações das mais variadas experiências, algumas das quais acontecem ao redor do nosso quintal, a fim de escolhermos o melhor caminho para Moçambique. De pouco nos servirá ignorar que nesta matéria não temos capacidade de criar novidades. Mas também não podemos imitar cegamente. Devemos utilizar o que de melhor nos oferece o nosso atraso: a oportunidade de aprender e escolher as melhores opções para digitalização da rádio, em particular a comunitária..

A Austrália, por exemplo, é um país bastante avançado económica e tecnologicamente. O governo federal aprovou a 10 de Maio de 2007 a norma que estabelece o quadro para a radiodifusão digital no país, baseando-se no padrão europeu ( DAB). No geral eles contam abrir a rádio digital a todo o país em 2013, sendo que nas grandes cidades isso irá acontecer em 2009.

No Brasil, onde a realidade, em certos tópicos, assemelha-se mais a nossa ( Moçambique), o processo da digitalização começou a ganhar contornos mais claros em 2005, no que toca ao debate sobre a legislação, selecção do modelos tecnológicos e experiências com emissores.

No que toca a rádios comunitárias, elas foram envolvidas na discussão dentro da associação das rádios nos debates havidos com os parlamentares e levantaram aí os seus pontos de vista que se resumem em : a) dificuldade na obtenção de licenças ( o que as coloca em pé de desigualdade na obtenção da frequência digital); b) fragilização da cultura popular não comercial, uma vez que o ouvinte pode escolher as músicas que quer ouvir e a tendência tem sido liderada pela cultura comercial; c) receio de extinção das rádios comunitárias, visto não possuírem recursos para suportar os altos custos com transmissores e receptores; d) discriminação na legislação ( limitação na altura das antenas, potência do emissor, etc).

Segundo o fórum mundial de radiodifusão e multimédia digital ( World Digital Multimedia Broadcasting WDMB), até Agosto de 2008 apenas 3 países africanos apresentaram dados relevantes sobre a digitalização, dois dos quais da sadc, nomeadamente a Namíbia e a África mais o Ghana. Este último País apenas regista actividade no sector da televisão. Situação idêntica se verifica na Namíbia, com a diferença de que este país irmão da sadc baseia-se fundamentalmente na visão sul-africana, incluindo a parte da radiodifusão. Vejamos então o que se passa na África do sul.

Em 1997 os nossos vizinhos e cunhados tinham já no ar alguns emissores digitais na região de Johannesburg. Em 1999, as experiências estenderam-se à onda média e compreendia toda região actualmente designada por Gauteng. Em 2001, a radiodifusão digital podia já satisfazer 18 % da população sul-africana. Porém, só foi nos finais de 2002 que o Gabinete de aconselhamento sobre a digitalização concluiu a sua pesquisa sobre a rádio e televisão digital terrestre. É importante notar que este processo tem sido acompanhado e estimulado de perto pela associação sul-africana de radiodifusão digital, organismo independente.

Finalmente, no presente ano, o governo sul-africano aprovou e deu aval para implementação da política de migração do analógico para o digital, documento que havia sido entregue em Novembro de 2006, depois de o grupo de trabalho ter sido constituído em 2005, pelo ministro da área.

Um dos aspectos a salientar nesta política é que a mesma tem em conta uma visão segmentada da radiodifusão, especificando o serviço público, a rádio comercial e a rádio comunitária. Outro aspecto importante é que o Governo vai financiar a migração, mas tendo em conta o potencial de negócio que a mesma abre. O que quererá dizer que aqueles que menos capacidade de gerar receitas têm, mas ocupam lugar de destaque nas prioridades do governo, merecerão consideração financeira devida.

Procurando resumir, teríamos que as rádios comunitárias moçambicanas devem abordar a digitalização agrupadas num forúm próprio. Esse forúm, por sua vez, discutirá com operadores de radiodifusão dos sectores público e comercial buscando:
- uma actualização/revisão da legislação;
- compreender e discutir a questão das opções técnicas e tecnológicas com a devida antecedência;
- influenciar a definição de uma política e calendarização apropriadas;
- resguardar a necessária comparticipação financeira do Estado no processos.

Antes de encerrarmos a nossa reflexão, importa aqui registar que nas discussões sobre a digitalização que temos acompanhado pelo mundo, e referidas neste texto, a preocupação tem estado na transmissão do sinal. Porém, sabe-se que radiodifusão tem pelo menos mais dois estágios determinantes: a produção e o factor da gestão (humano). Acontece que no resto do mundo há muito que a produção está totalmente digitalizada, tanto os estúdios, bem como a reportagem e os arquivos. Obviamente que a gestão e os profissionais estão devidamente treinados e operam nesse ambiente tecnológico com bastante segurança e habilidade.

No caso das rádios comunitárias moçambicanas, acreditamos que enquanto decorre o processo de discussão pública sobre a digitalização da transmissão, deve rápida e de forma estruturada cumprir esse passo intermediário e de certa maneira condicionante na área da produção. E, neste caso, o impacto vai ser imediato e visível.

quarta-feira, 10 de setembro de 2008

CASA VELHA (1)

Em 1986 eu estudava na Escola Secundária Josina Machel, em Maputo. Na 8ª classe. Na altura, a escola "terminava" na 9ª. Creio que tenho algures ainda a composição mais ou menos completa da turma. Nome de cada um dos colegas e coisas assim.Um dos quais atendia pelo nome de José Machaieie. Acho que na moda estava o break dance. E a malta que estava a "dar" volta e meia era a mesma que faziam vibrar as claques da natação na piscina do maxaquene ( velhos colonos). Agora é a piscina da Associação de natação da cidade de Maputo.Embora eu não tivesse ido lá nunca, consta-me que o "Favo" era a mecca do break dance.Ficava nos PH do outro lado do famoso splah. Em Maputo.

O José machaieie era um colega bastante discreto e recatado ( fez engenharia. Não sei onde está.Mas das últimas vezes que o vi, Há uns 5 anos atrás- 2003- continuava discreto e muito fino no trato. Nas nossas conversas falou-me de umas peças de teatro que estavam a ser apresentada no teatro avenida.Tratava-se de "o que diz sim e o que diz não" e "quem me dera ser onda". Contudo, lembro-me mais desta última. Não sei bem porque. E um dia lá fui ao Avenida. Penso que entrei pelos fundos e acho mesmo que não vi quase nada da peça. Mas deu para sentir o perfume dos actores cá fora, no fim. Beijos, abraços, elogios. Hoje compreendo que aquele era um ambiente bastante fino e selecto. E aqueles actores eram mesmo estrelas.

Dias depois e devidamente aliciado pelo josé machaieie dei um pulo ao sítio onde aquele grupo de teatro ensaiava. na 24 de Julho, perto do supermercado cujo nome agora é...., e ao lado da antiga dependência do BPD da Maxquene ( foi lá onde o meu pai abriu a minha primeira conta bancária. No tempo da caderneta de poupança e da formiguinha...). Há ali uma rua enfiada.Que termina na Casa Velha. Mas eu não entrei por ai. Fui pela Patrice Lumumba. E entrei. Acho que encontrei um fulano a quem disse, a disparar " quero fazer teatro". Senta-te aí! acho que foi a resposta. Sem o saber estava a falar com o Machado da Graça. E fiquei para ali uns dez anos. naturalmente não sentado, mas, e pelo contrário, em doentio rodopio.

Conheci então a minha primeira e única família fora de casa. Família que me fez homem e personagem da história que neste blogue estou a escrever. No mesmo ano, em 1986, entrei para o Danjac. o Danjac e a Casa velha são os dois lados do meu coração. Por isso vou falar dos dois ao mesmo tempo.Lado a lado, como eles viveram e nasceram no coração de muitos de nós.Naquela altura,e para acomodar uma mania em vez de António Teodoro Miguel( só passei a usar o nome Ndapassoa nos princípios da década de 90), passei a assinar ATM. E o nome ficou. ainda uso-o e gosto maningue dele.

quinta-feira, 4 de setembro de 2008

Corrupção e cabritismo e a psicologia de maphape (1)

(Notas de uma "comunicação " apresentada na cidade da Beira em Dezembro de 2001. Algumas/muitas das situações descritas e comentadas, hoje exibem, certamente, outras matizes. Podem estar ultrapassadas. Recomendo que a leitura tenha em conta a dinâmica dos processos sociais e políticos.)

Convidam-me os organizadores a falar da corrupção. Qual corrupção? Perguntei. Aquela de que falou nos seus artigos no jornal. É para falar da corrupção em Moçambique mas olhando especificamente o caso de Sofala.Aqui começam os problemas. Primeiro este trabalho é quente demais para um amador. Devia-se convidar a Procuradoria, a Polícia e a "sociedade civil" , os corruptos e os corruptores para mais um workshop ou coisa assim.

Mas haverá condições para se fazer isso? E havendo, ou criando-se, quem irá dar o primeiro passo? Aqui nasce a segunda questão: as pessoas andam desesperadas e cansadas. E não querem continuar reféns de promessas antigas que nunca mais são cumpridas.Há uma convicção de de que nada vai mudar, no estilo: os gajos cantam, a malta dança enquanto eles comem e riem-se de nós. Por isso, o povo comporta-se denotando o seguinte pensamento: nós vamos fingir que dançamos, para não se chatearem connosco, mas vamos também arranjar maneira de "comer". E sem nos apercebermos, estamos todos a rir uns dos outros, a fingir uns para os outros, e a comer-mo-nos. Embora, na verdade, muitos se nós estejam só a ser comidos. E este, se quisermos, é o terceiro problema. Parece que nós os moçambicanos, os Sofalenses, organizamos a nossa vida para "comer", para cabritar. Aquele que não alinha é parvo. De resto, hoje em dia, muitos de nós só ficam realmente felizes quando cabritamos. Até uma coisa que podíamos conseguir ou fazer sem sem cabritar, cabritamos. E queremos cabritar tudo e sempre. Não podemos ver um projecto sem o cabritar. Não podemos ver a esposa do vizinho a rebolar as nádegas sem sofremos e lutar-mos até "consegui-la". E quando conseguimos essa, vamos atrás de todas as outras que nos passem pela frente. E caímos por cima de todas quantas consigamos, ainda que já não tenhamos nem capacidade nem prazer. É "comer" por "comer". Cabritar por cabritar. è uma vida primitiva, primária.
(...)
Caros presentes. A província de Sofala, a nossa cidade da Beira particularmente, é peculiar.É palco de acontecimentos extremos e únicos. Parece que, em certos momentos, funcionamos sob a bênção do diabo. E parece que muitos de nós, mesmo sabendo disso, se recusam a encarar tal facto com seriedade, partindo do princípio de que aos cabritos ainda resta alguma sensatez.

Com ou sem razão "Maputo" é acusada de estar a castigar a Província. Maputo é a mãe do sofrimento de Sofala. É a desculpa das desgraças da província. Porém, o que eu vejo são duas coisas que ocorrem simultâneamente. Uma são as cabeçadas que a Província tem estado a levar historicamente. Outra coisa somos nós ( os Sofalenses) que pensamos e trabalhamos mais com a boca.

As estatísticas dizem que Sofala apresenta um dos piores índices de desenvolvimento humano e pobreza do País. Significa que Sofala apresenta a população muito pobre e a desenvolver muito pouco. Outras províncias tem a população menos pobre e desenvolvem mais depressa. Mas se fizermos a comparação pela acumulação de riqueza, veremos que Sofala tem tantos ou mesmo mais ricos do que as províncias que no global são mais ricas. Como é que podemos andar a gritar que Maputo está a desenvolver-se à custa do nosso suor, da nossa madeira, dos nossos impostos, do nosso camarão se, entre nós, há aqueles que se desenvolvem e enriquecem de forma "descontrolada". É Maputo que nos está a sufocar ou nós é que estamos a nos comer-mo-nos uns aos outros? Que sentido faz os nossos grandes criticarem os grandes do sul se todos se comportam da mesma maneira? Se todos, além da residência oficial, têm ainda a casa dois, quintas por todo o lado, e mansões em obras sem fim? Se em cada uma de tais casas está parqueado um 4 x4 último grito.

Falando de 4 x4 é lindo ver nas direcções provinciais os parques alindados por estes cavalos. Todos os anos o parque a ser renovado, com máquinas cada vez mais loucas. E cada vez que um chefe qualquer, numa noite de muita inspiração alcoólica parte um carro na auto estrada da Manga, na semana seguinte é comprada no zimbábwe outro carro igual. O chefe não pode andar a pé!

Entretanto, o troço Inchope-Save não está bem de saúde. Entretanto, do Dondo ao Inchope muito pedaço falta reabilitar. Entretanto, o Gorongosa-Caia bem que podia, se calhar, ser trabalhado com mais rapidez. Entretanto, as nossas florestas e o nosso mar continuam a parir riqueza. Mas continuamos orgulhosamente na cauda em quase tudo. Menos na riqueza pessoal de um grupo enjoativamente pequeno.
E no lugar de trabalharmos, passamos a vida acocorados fecalicamente no arrozal, a comer tépwe com nipa na praia nova,ou nostálgicos no revieira, a insultar as mães do dignatários da ponta vermelha. Esquecendo-nos que a Beira precisa de sangue beirense para limpar a "tâmega". Que a maresia do chiveve só não enjoa aos mabangwe.Que o matope do Vaz espera por engenheiros que conhecem a poesia das ntsombas.
A lógica de Maphape

E quando falo de riqueza pessoal, não estou a fazer isso perseguindo utopias igualitaristas. Não. Falo da lógica de Maphape e do bakaiyau e dos complexos de Monomotapa. E como não sei se Monomotapa comeu Maphape, vamos primeiro ver este peixe e interpretar o seu simbolismo. Uma vez que a lógica do Maphape é a lógica da pobreza moral. E é o verdadeiro totem da corrupção. Como se sabe, o Maphape é algo pobre. Não tem carne. É um peixe seco sem carne.Pode-se comer muito mas não enche a barriga. Nem alimenta. Mas satisfaz o hábito. E a corrupção aqui segue a lógica do Maphape.

(...)

Sei que já vai longa esta sessão. Por isso é mesmo momento de pensarmos em usar a boca para outras coisas mais prazeirosas ( no programa estava claramente destacado que havia cocktail. No fim). Mas antes, e como já prometi, vou falar do monomotapa. Isto como parte da compreensão das razões que nos levam a cabritar tanto. Cabritar de forma nojenta. Abjecta.

Como já se sabe, no reino do Monomotapa há-de se ter comido tanto maphape como bakaiyau. E bacalhau é sinal de fidalguia. Tanto hoje como naqueles tempos. E mesmo nos tempos que correm não é qualquer peixe e salgado que tolera o nome de bakaiyau. Um maphape não é bakaiyau. Ntsomba não é bakaiyau. Mbobwe não é bakaiyau. E quando à mesa há bakaiyau, maphape só para gozar. Bakaiyau é na origem algo mais acima.

O reino do monomotapa era bem organizado e tinha normas claras. Funcionava com alguma eficiência. Então o rei tinha um dilema. conta-se. Se cumprisse as normas todas o seu protagonismo diminuía. Ficava tipo um cidadão normal, qualquer. Mas ele queria que todos o vissem, que todos os referenciassem. Ou seja, ele tinha fatalmente de ser diferente, para não ser igual. Diz-se que foi por essa razão que ele criou uma lei só para ele. Permitiu-se fornicar as "irmãs". só ele podia fazer tal coisa.legitima e impunemente embora fora ou acima da lei.

Infelizmente, nós, muito tempo depois, parecemos reféns dessa psicologia colectivizada. Queremos ser diferentes contornando as normas. Pretendendo um protagonismo ridículo. confundindo bakaiyau com bacalhau. Revelando um complexo de pobreza confrangedor. Um complexo que nos descontrola ante uma possibilidade de "abocanhar". Um fulano não luta para saber. Mas para ter. Não luta para brilhar, mas para ofuscar os outros. E quando o dito é nomeado chefe, em eis meses engorda uns dez quilos. Ele não consegue conviver com a riqueza. Aliás, foi talhado à dimensão do fato da pobreza. Quer comprar em seis meses todas as mansões da cidade. Quer ter um four by four para cada membro da família. Tem prazer na desbunda. Quando se lembra, transporta de avião toda a família e familiares. isto é, esposa, amante, filhos, sogros, etc. E aloja-os no hotel mais luxuoso da zona. Este tipo de chefe, quando mete a mão no dinheiro do povo ( é dele porque ele manda no tal dinheiro!) quer comprar todas as empresas que ele muito deligentemente faliu, ser sócios de todas as outras que estão ser criadas...e o chato é tudo isto, é que ele faz isso não por ser um grande gestor. Não senhor. Faz porque têm um espírito mesquinho.Insaciável. Pobre.

Resumindo, vivemos cabritando-nos uns aos outros, confundindo bakaiyau com bacalhau,; vivemos fazendo incestos que a outros proibimos, só para sermos diferentes e conhecidos. Enquanto lá fora os outros riem-se de nós. E avançam!

observação; Workshopista;danjaquiano;reflesons

Neste blogue não tenho um alvo específico. Falarei de tudo um pouco. Muitos comentários, devaneios. Mas, principalmente, e de forma apaixonada, vou trazer as minhas constatações, fruto de observação do dia a dia. Vou trazer a imagem do que os meus olhos veêm e os sons que os meus ouvidos ouvem na rua, nos mercados. Vou partilhar as minhas experiências enquanto agente e sujeito social.Na excitante condição, como está na moda agora dizer-se, de parte da base. À paisana, como nasci e existo.

Trarei também alguns artigos que fui escrevendo enquanto palestrante ( ou workshopista militante) e colaborador de alguma imprensa nos finais da década 80 e durante a seguinte.


Assim colocadas as coisas, está claro o meu desejo de andar para o futuro de mãos dadas com o passado.

Ou seja, viverei também de esgaravatar a minha memória danjaquiana, o meu CV, recuperando coisas do meu passado, um pouco para cumprimentar amigos e acontecimentos que não faz mal recordar e partilhar.

E mesmo no finzinho, trarei, sempre que possível, algumas reflesons. Assim mesmo com s, pois o Machado, a quem peço emprestado o termo,assim mo deu a conhecer.Pois, por mais que não tente, a veia de radiofóno sempre se desesconde.



Chamo-me António Miguel Ndapassoa. Para todos os efeitos.