quarta-feira, 25 de março de 2009

ascensão e queda do fundamentalismo de mercado

Aqui fica a segunda e última parte do artigo enviado com pedido de publicação


ASCENSÃO E QUEDA DO FUNDAMENTALISMO DE MERCADO

(Obama e a Necessidade de se Vigiar o Mercado)

Por: Andes Chivangue[1]

FREE MARKET [2] E O FUNDAMENTALISMO DE MERCADO



[1] Licenciado em Relações Internacionais e Diplomacia pelo Instituto Superior de Relações Internacionais. Docente de Economia Política na Universidade Pedagógica – Delegação de Gaza.

[2] Livre Mercado



OBAMA E A NECESSIDADE DE SE VIGIAR O MERCADO

Terminada esta revisão panorâmica sobre algumas das mudanças que o neoliberalismo económico sofreu nos últimos dez anos, é altura de reflectir em torno da necessidade de se vigiar o mercado, a consequente queda do fundamentalismo de mercado como paradigma dominante e a consolidação da abordagem do Estado Amigo do Mercado.

A nossa reflexão parte do discurso de tomada de posse de Obama, mais precisamente do seguinte trecho:

... a questão que nos é colocada não é se o mercado é uma força para o bem ou para o mal. O seu poder de gerar riqueza e aumentar a liberdade é ímpar, mas esta crise veio lembrar-nos que, sem um olhar atento, o mercado pode descontrolar-se, que um país não pode prosperar durante muito tempo quando só favorece os ricos” (Vertical, 2009: 3–4).

Embora estas palavras estejam enquadradas no contexto da crise económica global, elas contêm em si o essencial sobre o que este presidente pensa que deve ser a relação entre o homem, o Estado e o mercado. De facto, hoje há muitas questões que devem ser colocadas. É preciso interrogarmo-nos se será sustentável uma economia cujos pilares assentam no egoísmo individual e numa fé cega no mecanismo de mercado. A resposta a estas questões poderá levar-nos à conclusão de que uma economia que esmaga os mais elementares valores do ser humano e serve apenas a uma minoria, só legitima as teses segundo as quais os pobres constituem o sustentáculo do motor do capitalismo global. O número de indigentes e paupérrimos aumenta a cada dia e em quase todo o mundo, como resultado das externalidades negativas que advêm da falha do mecanismo de mercado ou do seu descontrolo.

Aliás, o raciocínio de Obama pode ser confirmado pelas palavras de Amartya Sen quando este argumenta que:

há muitas provas empíricas de que o sistema de mercado pode ser um motor de rápido crescimento económico e elevação dos níveis de vida. Políticas que restringem as oportunidades de mercado podem ter o efeito de restringir o alargamento das liberdades concretas que seriam geradas graças ao sistema de mercado, através, sobretudo, da prosperidade económica. O que não implica negar que, por vezes, os mercados podem ser contraproducentes - como o próprio Adam Smith fez notar, ao sustentar particularmente a necessidade de controlar o mercado financeiro(2003: 41).

Importa dilatar ligeiramente o objecto desta reflexão e procurar estabelecer uma possível ligação entre o discurso de Obama e a problemática questão da revisão da ordem económica global. Na verdade, a crescente segmentação exclusiva que os países da periferia vivem, comparativamente aos do centro, resulta grandemente da forma como a malha da actual ordem económica mundial foi tecida. Os países da periferia encontram-se à margem destes benefícios apontados pelo estadista norte americano e pelo estudioso Sen. A África, em particular, participa no comércio internacional de forma bastante desvantajosa devido aos já conhecidos aparatus de restrições às exportações provenientes dos países menos desenvolvidos e os subsídios à agricultura.

Por outro lado, não sendo a referida vigilância dos mercados do âmbito apenas nacional, devendo essencialmente iniciar no plano internacional (podendo ser o contrário, garantida a ausência de risco duma corrida ao proteccionismo), seria justo que à esta preocupação estivesse subjacente, também, o interesse em ter-se uma ordem económica mundial inclusiva, ou pelos menos capaz de obedecer a um processo de inclusividade crescente. Só assim é que, de facto, se poderia olhar plenamente para o mercado como gerador de benefícios.

Voltando ao objecto central do artigo. Diante desta concatenação de factores, pode-se afirmar que a necessidade de se vigiar o mercado só constituirá uma preocupação legítima se ela incluir, também, a preocupação em melhorar a qualidade de vida das populações pobres que sobrevivem à margem dos benefícios que o mercado gera. Esta vigilância tem de ir para além da precaução em relação a futuras crises. Deve garantir que haja um processo de inclusividade crescente ou progressiva, como acima nos referimos.

CONCLUSÃO

Se a abordagem do Mercado Livre vê o mercado como um órgão com vida própria, sendo capaz de se auto-regular, a abordagem do Estado Amigo do Mercado apela para a necessidade de intervenções selectivas e pontuais. Ou seja, onde o mecanismo de mercado falha o Estado deve entrar colocando infra-estruturas e corrigindo externalidades negativas.

A preocupação de Obama sobre a necessidade de se vigiar o mercado está em consonância com a abordagem do Estado Amigo do Mercado, deitando por terra a ideia de que os processos que caracterizam as dinâmicas numa economia de mercado tendem sempre para o equilíbrio. Os mercados financeiros constituem um bom exemplo de que nem sempre é assim.

A magia do mercado na expansão das liberdades, consubstanciadas no melhoramento da qualidade de vida das pessoas, só será efectiva quando a actual ordem económica mundial for capaz de tornar vantajoso o comércio entre os países da Periferia e o Centro.

No caso de Moçambique, no tocante ao momento anterior e posterior às mudanças operadas dentro do paradigma neoliberal, durante quase toda a década de 1990 parecia que os dirigentes estavam a demitir-se do seu papel. Quantas vezes não ouvimos desde ministros a directores a afirmarem, ante preocupações genuínas da população, que o Estado só regula, como se estas duas entidades fossem distintas. Tratava-se, na verdade, de uma reprodução do discurso ocidental, ora assente no fundamentalismo de mercado.

Felizmente, hoje temos um cenário relativamente diferente. Os nossos líderes continuam a ser caixas de ressonância mas com a tónica do discurso centrada no povo. Se do discurso passarão à prática, isso só o tempo dirá. Por enquanto, a manutenção do poder pela conquista do voto e a vassalagem aos doadores é que continuam a determinar o curso da acção da política nacional.

BIBLIOGRAFIA

· SEN, Amartya (2003) Desenvolvimento Como Liberdade, Grádiva, Lisboa.

· SOROS, George (1999) Crise do Capitalismo Global , A Sociedade Aberta Ameaçada, Temas & Debates, Lisboa.

· STIGLITZ, Joseph (2002) Globalização, A Grande Desilusão, Terramar, Lisboa

· Vertical nº 1747, 27.01.2009, Maputo.

· ESTÊVÃO, João r. ( 1997) O Estado e o Desenvolvimento Económico: elementos para uma orientação de leitura, ISEG, Lisboa.

· EUCKEN, Walter (1998) Os Fundamentos da Economia Política, Fundação Calouste Gulbenkian, Lisboa.