sexta-feira, 20 de março de 2009

ASCENSAO E QUEDA DO FUNDAMENTALISMO DE MERCADO

Aqui fica a primeira parte de mais este atento olhar sob um tema de actualidade.
ASCENSÃO E QUEDA DO FUNDAMENTALISMO DE MERCADO
(Obama e a Necessidade de se Vigiar o Mercado)

Por: Andes Chivangue
[1]


FREE MARKET
[2] E O FUNDAMENTALISMO DE MERCADO

Durante estas quase duas décadas o paradigma económico dominante foi o neoliberalismo. Esta abordagem ganha contornos de algum extremismo a partir dos anos 1980, com a ascensão de Margaret Thatcher na Inglaterra e Ronald Reagan nos estados Unidos da América. Com estes dois líderes mundiais os princípios liberais foram assumidos e implementados à letra, de tal sorte que hoje, em muitos fora, é unânime a ideia de que os seus apóstolos depositaram uma fé cega no mecanismo de mercado e na sua suposta magia. Os efeitos desta atitude foram tão adversos – e continuam – que autores como Soros e Stiglitz passaram a designar este grupo de neoliberalistas por fundamentalistas de mercado.

Os adeptos desta abordagem, normalmente ligados ao Fundo Monetário Internacional (FMI) e Banco Mundial (BM), argumentam que o interesse comum é muito mais bem servido pela busca desenfreada do interesse próprio. Sustentam a todo o custo a convicção de que os mercados se auto-regulam, sendo essa a justificação para procurarem abolir o processo de tomada de decisões colectivas e impôr a supremacia dos valores do mercado sobre os valores sociais e políticos (Soros, 1999: 20 e 75).

Esta forma de interpretar o papel da economia poderá estar ligada à questão do método ou modelo de análise. Muitas das correntes de pensamento económico anteriores ao Market Friendly
[3] eram entusiastas ferrenhas do homo economicus e do individualismo metodológico. Estas duas representações esquemáticas de estudo do comportamento do homem transportam consigo a carga desvantajosa de serem demasiado abstractas e apartarem-se da realidade (talvez resultado do dedutivismo exacerbado que lhes é característico, sobretudo para o caso do homo economicus). É assim que se passa a olhar o egoísmo individual como uma das peças da engrenagem que promove o crescimento económico.

A partir dos seus pressupostos teórico-metodológicos advieram males como a divinização do mercado e a total aversão a qualquer tipo de intervenção do Estado na economia, encontrando-se aí uma das razões por que advogaram políticas de encurtamento do aparelho estatal. Por outras palavras, pode-se afirmar que os fundamentalistas de mercado assumiam o conceito de free market na sua total e mais restrita acepção.


MUDANÇA DE ABORDAGEM

Foi o insucesso das medidas preconizadas pelos fundamentalistas de mercado que, nos anos 1990, forçou uma série de revisões promovidas pelo BM, desenvolvendo-se assim a abordagem do Estado Amigo do Mercado. Esta vertente é consubstanciada por três relatórios importantes, nomeadamente World Development Report (1993), The East Asian Miracle (1993) e World Development Report (1997).

O primeiro traz consigo a ideia de que a questão fulcral já não é a minimização ou eliminação da intervenção do Estado na Economia mas sim a necessidade de uma complementaridade “saudável” entre o Estado e o mercado. O segundo relatório acrescenta ao debate o facto de intervenções selectivas no mercado poderem melhorar o seu funcionamento e impulsionar o crescimento económico. O relatório de 1997 enfatiza a qualidade e não quantidade, ou seja, a eficácia e não a dimensão do Estado (Estêvão, 1999: 7–8).

Sobre esta evolução do pensamento neoliberal, Stiglitz resume de forma simples mas concludente, quando afirma que há intervenções do Estado que são desejáveis e que têm o condão de melhorar a eficiência do mercado. Pode-se, num certo sentido, entender muitas das actividades fundamentais do estado como respostas aos erros do mercado (2002, 117).

Na verdade, estes ventos de mudança, que são intensificados com a crise asiática, vêm recuperar o manancial teórico produzido pela escola de Friburgo, na Alemanha, nos anos 1940. Algumas das questões bastante discutidas por Eucken – seu precursor – estão intimamente ligadas ao problema da neutralidade e do modelo de análise. Traz a ideia de que enquanto a economia for uma ciência cujo objecto de estudo se centra no comportamento dos indivíduos face à raridade de bens e satisfação de necessidades, o economista estará sujeito a emissão de juízos de valor. No tocante ao método ou modelo de estudo em economia, em vez do individualismo metodológico, a escola de Friburgo é pelo individualismo pluralista.

Para Eucken, o individualismo metodológico é deficiente porque se preocupa apenas com grandezas supra-individuais, marginalizando sistematicamente uma parte substancial da realidade económica. Este autor propõe o individualismo pluralista a partir da assunção de que:

os indivíduos procuram, sempre e em toda a parte, nos seus planos económicos e, por conseguinte, na sua actuação atingir um determinado objectivo com a menor aplicação possível de valores. (...) O princípio de economia não tem nada a ver com os objectivos ou fins das acções humanas. Os fins dos indivíduos são muito diversos, podem por exemplo ser egoístas ou altruístas. (...) Os fins dos indivíduos são muito diversos e variáveis. Desta maneira é metodologicamente possível analisar as diferentes formas que a liberdade humana assume, e também as diversas formas de destruição da liberdade por parte do poder. (1998: XVIII-XXVI-XXVII).



BIBLIOGRAFIA

· SEN, Amartya (2003) Desenvolvimento Como Liberdade, Grádiva, Lisboa.
· SOROS, George (1999) Crise do Capitalismo Global , A Sociedade Aberta Ameaçada, Temas & Debates, Lisboa.
· STIGLITZ, Joseph (2002) Globalização, A Grande Desilusão, Terramar, Lisboa
· Vertical nº 1747, 27.01.2009, Maputo.
· ESTÊVÃO, João r. ( 1997) O Estado e o Desenvolvimento Económico: elementos para uma orientação de leitura, ISEG, Lisboa.
· EUCKEN, Walter (1998) Os Fundamentos da Economia Política, Fundação Calouste Gulbenkian, Lisboa.
[1] Licenciado em Relações Internacionais e Diplomacia pelo Instituto Superior de Relações Internacionais. Docente de Economia Política na Universidade Pedagógica – Delegação de Gaza.
[2] Livre Mercado
[3] Abordagem do Estado Amigo do Mercado

LUFADA DE ...CIMENTO FRESCO



Depois de uma subida vertiginosa, o preço de cimento voltou a baixar nos últimos meses. Agora já se compra, pelo menos na cidade de Maputo, um saco a 240 mt. Longe, muito longe dos 280 mt em Janeiro/Fevereiro. Para alívio de muitas famílias e da grande economia . Vá lá saber-se das escusas razões que comandam tais fenómenos. Tanto mais que, no âmbito da guerra para travar a louca galopada do preço de cimento, o governo levantou a oneração sobre a entrada do cimento estrangeiro. De uma assentada, o preço caiu e parece estabilizado. E já se vê por aí cimento estrangeiro a preços abaixo do nacional...a rodos...!

quinta-feira, 19 de março de 2009

Serviço Público de Radiodifusão

Retomo uma antiga aposta: a de partilhar ideias e reflexões sobre a radiodifusão pública. Desta vez trago uma comunicação escrita por Christian Kapfensteiner, na altura consultor na Rádio Moçambique. Esta comunicação foi apresentada nas jornadas de rádio da RM-EP.



PAINEL: FINANCIAMENTO DO SERVIÇO PÚBLICO DE RADIODIFUSÃO

O PAPEL DE UMA ONG INTERNACIONAL:

O Caso do Instituto Austríaco para a Cooperação Norte-Sul e a Rádio Moçambique*

Sr. Christian Kapfensteiner

IANS, Áustria


O Instituto Austríaco para a Cooperação Norte Sul (IANS) é uma organização não-governamental Austríaca que foi fundada em 1991 por membros do partido social-democrático, do partido verde e do movimento dos sindicatos da Áustria com o alvo de sustentar as estruturas democráticas da sociedade civil em países subdesenvolvidos. Actualmente, o IANS tem 10 colaboradores na Áustria, em Nicarágua, Guatemala e Moçambique. A sua sede encontra-se em Viena, a capital Austríaca.


O programa do IANS consiste no enfoque forte em suporte para a participação política e acesso à informação de todos cidadãos. Graças à participação activa do cidadão no desenvolvimento do seu país e no seu local de residência, podem ser efectuadas mudanças positivas para a comunidade, bem como para o indivíduo na sua comunidade.


O IANS planifica e implementa os projectos junto com os parceiros nacionais para garantir que as necessidades dos grupos alvos são satisfatoriamente reflectidos e endereçados nos objectivos e nas actividades. Em termos gerais, os projectos do IANS são virados à criação de condições para a participação activa de todos cidadãos, particularmente dos grupos mais desfavorecidos, nos processos políticos, sociais e económicos no país.


A colaboração do IANS com a RM começou no ano 1992, altura em que o país entrou no seu caminho para a democracia multipartidária. Tomando em conta a história da RM (ou do Rádio Clube) em tempos coloniais e nos tempos da guerra civil e considerando as mudanças fundamentais que o país e a sua Rádio estavam a enfrentar, era de alta importância para o IANS prestar apoio à RM neste processo de transformação de empresa estatal para empresa pública. Também foi identificado pelo IANS a importância dos media independentes, particularmente da RM, na reconstrução do pais pós-guerra, na consolidação dos processos políticos e no sustento à transformação do sistema político.


Mas, a colaboração com a RM não parou por aí. O IANS reconheceu cedo a qualidade da rádio como meio de comunicação social sem competidor em Moçambique; facto recentemente mais uma vez provado nomeadamente pelos resultados do inquérito "Formação do Voto e Comportamento Eleitoral dos Moçambicanos em 2004" realizado pelo Instituto Eleitoral da África Austral.


Neste factor entram vários aspectos:

1) Graças à técnica e ao facto que a RM transmite em 20 línguas nacionais, ela consegue atingir mais de 80% dos Moçambicanos. Formam parte deste número a maioria dos Moçambicanos e particularmente as Moçambicanas sem conhecimento de Português e sem acesso a outro meio de comunicação. Uns 80% da população Moçambicana nunca teve acesso aos jornais e a televisão quando a RM encontra-se em termos de audiência na radiodifusão em posição hegemónica com 91%.

2) Os custos envolvidos em fazer educação cívica no ramo de programas de rádio são comparavelmente baixos.

3) Como Empresa Pública, a RM tem a responsabilidade de abordar assuntos que por vários motivos não entram na agenda de outros meios, por exemplo nas rádios comerciais.


Os primeiros projectos da RM com o IANS tratavam-se principalmente de educação cívica ao eleitorado, de cobertura de várias eleições e do desenvolvimento de municípios. Recentemente, o aspecto da formação profissional começou a entrar adicionalmente nos projectos. Apoiar a formação dos jornalistas da RM tem como consequência o melhoramento da qualidade do trabalho jornalístico. A difusão de informação de alta qualidade e actualidade ajuda fundamentalmente no fortalecimento dos processos democráticos.


O IANS considera que até agora os resultados da cooperação foram atingidos e os doadores principais (a Cooperação Austríaca para o Desenvolvimento e a União Europeia) manifestam-se contentes em relação ao impacto. Dificuldades e constrangimentos, bem como os sucessos consistem principalmente na dimensão da instituição Rádio Moçambique. A complexidade da hierarquia e do processo de tomada de decisões na sede junto com a extensão do país - as decisões são implementadas em todas províncias através de todos Emissores Provinciais - as deficiências infra-estruturais e os interesses particulares inerentes numa empresa pública de informação representam um constante desvio.


Neste contexto temos de reconhecer igualmente que a dimensão da RM no sentido de estar presente em todas províncias através dos Emissores Provinciais (incluindo o uso das línguas locais) e a potência dos emissores de cobrir quase 100% do território nacional representam no mesmo tempo as maiores vantagens competitivas da RM.


A avaliação do IANS da cooperação com a Rádio Moçambique é positiva. O IANS reconhece o papel que os media têm na informação dos cidadãos e especificamente o papel importante da rádio como único meio de informação que consegue atingir as massas em países com economias fracas. Mesmo com grandes progressos já alcançados no passado ainda identificam-se muitas carências e necessidades para reforçar e melhorar o serviço da RM à população de Moçambique. É neste sentido que o IANS planifica continuar a eficaz colaboração com a Rádio Moçambique.


*Depois de uma reestruturação, o Instituto Austríaco Para a Cooperação Norte-Sul viu o seu nome alterado. Agora chama-se GEZA. para obter mais informações sobre Geza consulte o website www.geza.at ( apenas em alemão) ou contacte friedarike.santner@geza.at.

segunda-feira, 16 de março de 2009

PAIS ESFERICO, AZUL E PASMOSO




Ha uns pares de anos, um velho e distinto amigo, de parodias e artes, o Jaime Santos, telefona a solicitar-me um texto de apresentação de um livro de um amigo que também há-de ser teu. O Stelio Inácio, Faço o texto e faço-me ao lançamento. Simpatizei-me com tudo: o desespero do Jaime; A expectativa do estreante Stelio.



Desde então tenho velado o texto, sempre com receio de vê-lo partir. E então que resolvo mandar um email ao Stelio. Ele manda-me as fotos. E eu aqui a publicar tudo isso. Boa fruição.


O meu País é esférico, azul e pasmoso

A ideia é apresentar a obra. O livro, neste caso. Muito obrigado pela deferência e parabéns ao autor.

O livro é uma colecção de 57 poemas. Todos sonetos. No geral, os textos são escritos dentro de um rigor notável. O género é cultivado em toda a sua plenitude. Até às últimas consequências. Como disse, o autor optou pelos sonetos. Na sua forma mais clássica, portanto, mais formalista. Se quisermos, podemos também questionar, porquê escolher sonetos? Que relação um jovem esgrime com um género tão cultivado? Porquê não atende ele ao apelo da inovação, ou porquê não nos oferece um texto, como diz Barthes, para fruição, e fica-se pelo prazer?

Bem, creio que mesmo assim a opção foi feliz. O autor mostrou que controla o género. Controla e domina a domina a técnica do soneto. Podemos notar isso na forma fácil e bela como o verbo flui. Como as rimas são tratadas, com respeito religioso. E até a métrica o Stelio afagou com muito desvelo. Também não traiu a tribo na temática. Afinou pelo amor. Um amor por realizar. Nos poemas, há sofrimento. Há dor. Há esperança. Como na sua forma original, aqui nos sonetos há muita paixão, muitos suspiros poéticos. E muita humanidade e fraternidade.

Quer dizer, e por tudo isso, posso afirmar que esta obra já não é só orgasmo incontido. É cópula consentida. Não é aquilo precoce. É uma cavalgada em modo de trote. É algo sentido e pensado. Elaborado com maturidade e segurança. É forma e conteúdo bem casados.

E notamos isso a partir do título: O meu país é esférico, azul e pasmoso. Stélio: quem te mandou escrever um título tão comprido assim? Tão exigente, inesperado e , se calhar, por isso mesmo, belo.

Este título é uma referência ao mundo-planeta, uma visão mais ampla do conceito de País. Aqui, País, deve ser visto como lugar afectivo, onde se nasce. E segundo os astronautas e os donos dos satélites,de facto este mundo é azul e esférico. E o pasmoso é uma inspiração.Alinha com o belo e harmonioso dos semas País, esférico e azul.

Olhemos agora para os poemas. Não precisaremos de apresentar um a um. É para isso que o livro está à venda. Que é para lerem-no com ao vossos próprias olhos e bocas.

Escolhi um poema representativo. O poema cujo título é o título do livro. Esse poema remete para um desejo e uma relação próxima com um mundo ideal, embora sentido, harmonioso. Um cenário quase bíblico. Aqui visível nas palavras “nobre vida/reino belo/”.
Fora o aspecto essencialmente físico do u universo, que é a relação entre os corpos celestes, aqui Terra e Sol, o autor remete-nos para uma segunda instância do seu âmbito de interesse: a Humanidade, olhada do seu lado mais bíblico e harmonioso- o parentesco numeroso. Aliás, abundante, pois os homens, do ponto de vista numérico, é algo inerte. Já o abundante tem mais a ver com a criação, com o que se desenvolve saudavelmente. Que tem, portanto, vida. E mais do que vida, o Homem é um ser fascinante. E, como se sabe, todo o seu humano fascinante é também fraterno. Talvez por isso mesmo.

Quero crer que a essência do discurso e da construção do texto, neste livro, está irremediavelmente amarrada a esta visão do homem: do fascínio e da fraternidade, acto de amar e ser amadao, de respeitar e ser respeitado. Concentrado, porém, na figura da mulher. Aliás, como um bom e paradigmático “escritor” de poemas de amor, romântico, Stélio vive apaixonado e fascinado por uma certa relação por acontecer. Todos os poemas flutuam entre duas histórias: uma de amor, um grito de paixão, desejo e angústia. E uma outra, um hino à Humanidade, à beleza e natureza.

E para terminar,como já disse, encontrarão neste livro 57 poemas. O mais recente é datado de 2006. E é o primeiro poema do livro. Depois, por ordem natural, ao contrário, surgem poemas de 2005, 2004 e 2003. Supreendentemente, o último poema é de 2002. O mais antigo texto aqui publicado.
Nota-se também que dos 57 poemas que há neste livro, em 54 o título dos textos é o seu último ou primeiro verso. Outro aspecto notável é o último poema. O tal de 2002. Chama-se soneto 1. Porque terá este título.

Bem, se me permitem, eu termino aqui. O livro está aí. Graficamente aguenta-se. A encadernação também. Leiam-no e se quiserem digam alguma coisa. Sucesso na tua carreira, Stélio.

Meu país é esférico, azul, pasmoso

Meu País é esférico, azul, pasmoso,
Junto ao sol no universo viajante;
Onde a nobre vida se faz reinante,
reino do belo e do maravilhoso

Meu parentesco é assaz numeroso,
Com todo ser vivo ai!tão abundante;
Todo o ser humano, ser fascinante,
Que é um sempre igual porém copioso

Minha bandeira foi por mim pintada
Com as cores que a raça humana toma,
Tendo mil signos pr´a felicidade.

Meu hino é uma canção alongada
Com frases de todo o humano idioma,
E que se traduz em “fraternidade”.


20.01.2005