terça-feira, 16 de setembro de 2008

Digitalização de Rádios comunitárias- o caso de Moçambique

A secção REFLESONS( dedicada à Radiodifusão), diferentemente de outras deste blogue, entra a matar com algo fresco. Nada melhor que um tema que ainda é tabu para muitos em Moçambique: a digitalização.E dentro desse viscoso e colossal tema, escolhi o retalho das rádio comunitárias.Devo este texto a amiga Sofia do ICS ( instituto de Comunicação Social de Moçambique- rede de rádios comunitárias do sector estatal)


As rádios comunitárias em Moçambique caracterizam-se por disporem de orçamentos exíguos, reposição de equipamentos irregular e difícil, obsolência do equipamento, assistência técnica não adequada e recursos humanos com formação insuficiente e instável, em virtude do seu carácter voluntário.

Deve-se acrescentar factores de índole mais geral que também afectam negativamente o funcionamento e gestão das rádios comunitárias, como são os casos de ausência de legislação específica para a radiodifusão e a comunitária, em particular; expansão da rede de energia eléctrica e estabilização da sua qualidade e uma extensão a custos controlados das restantes TI.

Digitalização. Comecemos pela pergunta mais frequente: O que é a rádio digital? A Rádio Digital é a próxima geração da radiodifusão. Tecnicamente , é aquela cujo sinal é digitalizado antes de ser transmitido. Para se ter uma ideia do que isso representa , as rádios de Onda Média passariam a ter uma qualidade de FM e as de FM teriam um som com a qualidade de CD.


O que é que vai mudar com a digitalização?
Com a digitalização da rádio os ouvintes passarão a:
· ter um sinal de qualidade constante de padrão muito elevado;
· dispor de muitos serviços e informações extra, nomeadamente: notas sobre as músicas em transmissão; temperaturas; o nome da estação sintonizada ; a programação, etc;
· procurar a estação pela frequência e não pelo nome;
· numa mesma frequência sintonizar várias estações de rádio;
· manipular o som em directo, gravando, parando, recuando, sem interferir com a transmissão em directo

Assim vistas as coisas fica claro que a digitalização vai constituir uma autêntica revolução na radiodifusão, principalmente no que toca à qualidade do sinal que chega ao ouvinte e nos serviços acessórios. As perguntas que surgem aí são: como serão os emissores da era digital? Como o sinal sai da rádio para o emissor? Que tipo de receptores necessitaremos para a rádio digital?

As respostas, por certo, constituirão alguns dos maiores desafios que teremos de saber lidar com eles. Se é definitivo que a natureza do som vai mudar e com ela as possibilidades de o manipular, também é certo que teremos um outro de tipo de emissores e outras formas de transportar o sinal. Por consequência devemos esperar alguma mudança nos sistema de transmissão e recepção do sinal. Estamos a falar de novos suportes e equipamentos. Ou seja de dinheiro. Porém, antes de avançarmos para uma discussão mais pormenorizada sobre as implicações técnicas e tecnológicas da digitalização ( o que a acontecer será num outro momento), vamos fazer um pequeno desvio para discutir o obviamente prévio: como é que se chega a digitalização? Em que condição política?

O mundo vem-se se preparando para a digitalização da radiodifusão há muito tempo. Em comum, nos vários países onde o assunto é matéria de discussão recorrente, o governo, as rádios e suas associações e os empresários, devidamente assessorados pelos cientistas, técnicos da área e académicos, abordaram o assunto procurando criar ou adequar a legislação aos desafios da era digital. A par da legislação, comissões especializadas estudaram e aconselharam os decisores e o mercado sobre as opções de digitalização. Por fim, foram ensaiadas experiências com o objectivo de consolidar as políticas e as opções e afinar um calendário realístico para a digitalização. O que permitiu aos governos tomarem decisões oportunas em tempo útil.

Assim, devemos registar algumas ilações das mais variadas experiências, algumas das quais acontecem ao redor do nosso quintal, a fim de escolhermos o melhor caminho para Moçambique. De pouco nos servirá ignorar que nesta matéria não temos capacidade de criar novidades. Mas também não podemos imitar cegamente. Devemos utilizar o que de melhor nos oferece o nosso atraso: a oportunidade de aprender e escolher as melhores opções para digitalização da rádio, em particular a comunitária..

A Austrália, por exemplo, é um país bastante avançado económica e tecnologicamente. O governo federal aprovou a 10 de Maio de 2007 a norma que estabelece o quadro para a radiodifusão digital no país, baseando-se no padrão europeu ( DAB). No geral eles contam abrir a rádio digital a todo o país em 2013, sendo que nas grandes cidades isso irá acontecer em 2009.

No Brasil, onde a realidade, em certos tópicos, assemelha-se mais a nossa ( Moçambique), o processo da digitalização começou a ganhar contornos mais claros em 2005, no que toca ao debate sobre a legislação, selecção do modelos tecnológicos e experiências com emissores.

No que toca a rádios comunitárias, elas foram envolvidas na discussão dentro da associação das rádios nos debates havidos com os parlamentares e levantaram aí os seus pontos de vista que se resumem em : a) dificuldade na obtenção de licenças ( o que as coloca em pé de desigualdade na obtenção da frequência digital); b) fragilização da cultura popular não comercial, uma vez que o ouvinte pode escolher as músicas que quer ouvir e a tendência tem sido liderada pela cultura comercial; c) receio de extinção das rádios comunitárias, visto não possuírem recursos para suportar os altos custos com transmissores e receptores; d) discriminação na legislação ( limitação na altura das antenas, potência do emissor, etc).

Segundo o fórum mundial de radiodifusão e multimédia digital ( World Digital Multimedia Broadcasting WDMB), até Agosto de 2008 apenas 3 países africanos apresentaram dados relevantes sobre a digitalização, dois dos quais da sadc, nomeadamente a Namíbia e a África mais o Ghana. Este último País apenas regista actividade no sector da televisão. Situação idêntica se verifica na Namíbia, com a diferença de que este país irmão da sadc baseia-se fundamentalmente na visão sul-africana, incluindo a parte da radiodifusão. Vejamos então o que se passa na África do sul.

Em 1997 os nossos vizinhos e cunhados tinham já no ar alguns emissores digitais na região de Johannesburg. Em 1999, as experiências estenderam-se à onda média e compreendia toda região actualmente designada por Gauteng. Em 2001, a radiodifusão digital podia já satisfazer 18 % da população sul-africana. Porém, só foi nos finais de 2002 que o Gabinete de aconselhamento sobre a digitalização concluiu a sua pesquisa sobre a rádio e televisão digital terrestre. É importante notar que este processo tem sido acompanhado e estimulado de perto pela associação sul-africana de radiodifusão digital, organismo independente.

Finalmente, no presente ano, o governo sul-africano aprovou e deu aval para implementação da política de migração do analógico para o digital, documento que havia sido entregue em Novembro de 2006, depois de o grupo de trabalho ter sido constituído em 2005, pelo ministro da área.

Um dos aspectos a salientar nesta política é que a mesma tem em conta uma visão segmentada da radiodifusão, especificando o serviço público, a rádio comercial e a rádio comunitária. Outro aspecto importante é que o Governo vai financiar a migração, mas tendo em conta o potencial de negócio que a mesma abre. O que quererá dizer que aqueles que menos capacidade de gerar receitas têm, mas ocupam lugar de destaque nas prioridades do governo, merecerão consideração financeira devida.

Procurando resumir, teríamos que as rádios comunitárias moçambicanas devem abordar a digitalização agrupadas num forúm próprio. Esse forúm, por sua vez, discutirá com operadores de radiodifusão dos sectores público e comercial buscando:
- uma actualização/revisão da legislação;
- compreender e discutir a questão das opções técnicas e tecnológicas com a devida antecedência;
- influenciar a definição de uma política e calendarização apropriadas;
- resguardar a necessária comparticipação financeira do Estado no processos.

Antes de encerrarmos a nossa reflexão, importa aqui registar que nas discussões sobre a digitalização que temos acompanhado pelo mundo, e referidas neste texto, a preocupação tem estado na transmissão do sinal. Porém, sabe-se que radiodifusão tem pelo menos mais dois estágios determinantes: a produção e o factor da gestão (humano). Acontece que no resto do mundo há muito que a produção está totalmente digitalizada, tanto os estúdios, bem como a reportagem e os arquivos. Obviamente que a gestão e os profissionais estão devidamente treinados e operam nesse ambiente tecnológico com bastante segurança e habilidade.

No caso das rádios comunitárias moçambicanas, acreditamos que enquanto decorre o processo de discussão pública sobre a digitalização da transmissão, deve rápida e de forma estruturada cumprir esse passo intermediário e de certa maneira condicionante na área da produção. E, neste caso, o impacto vai ser imediato e visível.

Sem comentários: